Quando um velho conhecido revelou que há algum tempo cortara por completo as relações com o filho após uma sequência de embates ideológicos sobre política e políticos resgatei em minha mente as observações de Timothy Keller sobre o fator idolátrico das ideologias. A obra de Keller, Deuses Falsos, tinha sido o meu primeiro contato com o assunto até aquele momento. É o conceito de que há uma idolatria intrínseca em toda ideologia, por serem elas hospedeiras de [falsas] esperanças que garantem uma forma de redenção para a humanidade. A característica elementar dos ídolos é prometer o que só Deus pode dar. As coisas que despertam a nossa voracidade, o nosso desejo veemente é, na verdade, um ente que capturou o nosso amor. A indignação daquele pai contra o filho – e vice-versa –, não era apenas vontade por um melhor futuro da nação, era devoção, ânsia por receber do Estado e/ou governo, aquilo que só Deus pode dar.

As ideologias – conjunto de ideais, crenças e concepções que influenciam as interpretações e posicionamentos das pessoas – irrompem no indivíduo um senso de redenção para o aqui-e-o-agora (secular). Ideologias são propostas de salvação tangível e mensurável. Eis a razão dos grandes embates, mesmo causados por pequenas divergências. O senso ideológico recebe qualquer contraponto, por menor que seja, como um sacrilégio, uma blasfêmia.

Leia a obra Visões e Ilusões Políticas, do cientista político e pesquisador da St. George’s Centre for Biblical and Public Theology, o Dr David T. Koyzis. Seguramente é bem mais que um livro, é um curso de Ciência e Filosofia Política numa perspectiva teológica. Versado em filosofia cristã, Koysis discorre sobre os princípios e venenos das principais ideologias de nossos dias (liberalismo, conservadorismo, nacionalismo, democracia e socialismo) e uma solução baseada na teologia pública do eclético teólogo e político holandês Abraham Kuyper (1887-1920). O ex-primeiro-ministro dos Países Baixos oferece uma solução que transcende o pêndulo do liberalismo e socialismo que ditaram o rumo da malha social no ocidente. Com uma alternativa não ideológica que identifica a missão do Estado como guardião das Esferas Sociais (governo, família, educação, religião, mídia, artes), o holandês defende a autonomia de cada Esfera uma vez que não há polivalência no Estado para ingerir no comando dessas áreas uma vez que as mesmas são dotadas dos próprios saberes necessários para a gestão do seus respectivos ecossistemas.

Kuyper e seu discípulo, Herman Dooyweerd, propuseram uma via diferente do legado cultural modernista-humanista que fora içado na Europa a partir da Revolução Francesa. Vale a pena conhecer não apenas o princípio da normativa da soberania das Esferas Socais, mas também as reflexões de Kuyper sobre cosmovisão cristã e transformação cultural.

Visões e Ilusões Políticas é uma avaliação crítica das ideologias modernas, mas também uma aula de cosmovisão cristã no espaço político e, finalmente, um estímulo para que o cristão se envolva não apenas num projeto de redenção de pessoas, mas também, de redenção cultural.

O Livro conta a história do filho de Ana. Uma mulher estéril que viu o poder de Deus operando em seu ventre. A essência dos livros de Samuel não é relatar a carreira do garoto improvável que se tornou juiz, sacerdote e profeta do povo de Deus. Samuel foi despertado para uma missão de Deus aos 12 anos de idade. A missão de mudar 300 anos de caos e disparate. Imerso nos assuntos políticos, de governo e de “Estado” [um pré-Estado], Samuel, consciente de Deus e no serviço de Deus desde a infância, liderou com resultados que ecoarão para sempre.

Não somos chamados apenas para ações eclesiásticas e cerimoniais, porque Deus não é Senhor apenas desses assuntos. Representam muito, mas não tudo. Somos chamados para participar com consciência cristã em todas as esferas. Há uma ética e amor em Jesus e compartilhados com os que andam com Deus, pelos quais a cultura humana caída anseia gemendo. É um gemido por redenção.

Entretanto, fique de olhos bem abertos. Afinal, quem não consegue conversar no seio da própria família sobre a organização da polis (política), jamais conseguirá se engajar num importante projeto de transformação cultural.

Pr. Ramon Márcio de Oliveira

Diretor-executivo adjunto da CBM

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