Numa certa ocasião, em um papo de rua, um senhor sexagenário me disse, com a ênfase de um ator canastrão, que não acreditava em nada além do que se pode ver. Ao ver um pobre cão andando numa rua deserta, ele argumentou: “Pra mim, quando as pessoas morrem, não é diferente da morte daquele cachorro ali.” “E o que acontecerá com aquele cão quando ele morrer?” – perguntei, curioso. Ele respondeu: “Nada! Morreu, acabou, já era!” Confesso que esperava por algo mais elaborado, mas não se pode esperar muito mais da visão secularista.

No livro Sete Tipos de Ateísmo, o professor inglês de Filosofia Política de Oxford, John N. Gray, faz uma análise das coisas em que os seres humanos são capazes de acreditar no lugar de Deus. É uma ótima abordagem, mas, particularmente, não vejo novidades surpreendentes na proposta do Dr. Gray. O dinheiro, a ciência, as ideologias, os pets, o entretenimento, a sexualidade e até mesmo a religião podem assumir o lugar de deuses usurpadores do lugar do Eterno em nós. G. K. Chesterton destacou que desistir de acreditar em Deus significa ser empurrado a acreditar em qualquer coisa.

A recusa em considerar que há algo mais, que há transcendência, que existe algo essencial ao invés de “coisa nenhuma” do outro lado da cortina da vida e da morte é apenas um matiz do pensamento secularista no qual a cultura ocidental está focada. É o conceito de que o aqui e agora é o verdadeiro paraíso. Não há sobrenatural, a metafísica é um assunto meramente acadêmico e, caso consigamos os instrumentos, métodos e técnicas adequados, fabricaremos sentido para a vida, aceitação plena, felicidade real e amor verdadeiro.

Na excelente obra de Timothy Keller, Deus na Era Secular (Vida Nova), o pastor americano elenca as muitas “crenças” do indivíduo secular. Keller aborda a revolução secularista contra os princípios judaico-cristãos e, consequentemente, a imersão da civilização ocidental em filosofias dominantes cegas, vazias e anêmicas, uma cultura que, já sabemos, não sabe existir sem a religião e o misticismo cada vez mais crescentes.

É nítida a influência do brilhante filósofo e escritor canadense Charles Taylor (autor de Uma Era Secular) no texto de Keller. Com linguagem simples, o autor disseca a modernidade, suas nuances e suas pobrezas, valendo-se de alta reflexão em variados campos da filosofia e sociologia.

Um destaque importante é considerar que a visão [ou ilusão] secular tende a ser “uma estrutura abrangente que determina todas as escolhas da vida”. Não se trata de um assunto para se informar, mas de uma base de compreensão de todas as coisas. Sem ofensas, mas também sem surpresas, não é absurdo afirmar que morrer como um cão tende a ser a conclusão de quem vive guiado por princípios caninos. Como já disseram nossos poetas: Nossos pensamentos definem nosso caráter. Uma cosmovisão não é apenas um pensamento, é um caminho e é o próprio guia.

Deus na Era Secular é uma obra apologética, isto é, que se propõe a demonstrar e defender a verdade da doutrina cristã. Todavia, não é apenas útil para os de fora; é imprescindível para os cristãos. Keller nos ajuda muito contra teses contrárias à igreja de Cristo, mas seu texto é necessário para todos, considerando que ideias e condutas secularistas – mesmo agnósticas ou ateístas – também se hospedam em corações religiosos.

A parábola do filho pródigo (Lucas 15.11-32), que saiu de casa em busca de experiências no que idealizou ser um mundo maior, nunca passou de outra forma de buscar o amor. Este é o ponto! Procura-se em explorações distantes o que já está muito perto dos olhos e que não pode ser encontrado em nenhum outro olhar.

O Livro mais sublime de todos os outros é útil para nos guiar rumo a uma realidade muito além do que se pode imaginar, porém tão acessível que dispensa até mesmo que estendamos os nossos braços para alcançá-la. É a realidade que possui braços próprios, braços de amor.

Deus na Era Secular tem um ótimo conteúdo que propõe a resposta inevitável e cabal para a mais inquietante pergunta dos secularistas: Morreremos como os cães?

Pr. Ramon Márcio de Oliveira – Diretor-executivo adjunto da CBM

Tags:

No responses yet

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

9001
× ENTRE EM CONTATO