Muitos que estão no seio de igrejas cristãs possuem uma compreensão pueril de temas teológicos e suas implicações para a vida da igreja no tempo presente. É preciso ter cautela quanto a aceitação de toda e qualquer abordagem teológica ensinada por pastores e demais líderes religiosos, tendo como ponto de comparação o entendimento e debates produzidos pela Igreja ao longo de seus dois mil anos de existência. Para alguns líderes religiosos leigos ou não, a abordagem que estão a fazer hoje, é a que maior validade possui e acabam desprezando o que foi tratado ao longo da história em que a Igreja cursou. Dentre esses temas emergentes, tem-se a Teologia Liberal.

Julgo que, provavelmente, você já se deparou com algumas assertivas produzidas no cenário nacional por aqueles que aderiram a essa perspectiva, sem que você tivesse em conta o arcabouço teórico-teológico que moveu a esses ‘pregadores’ ou formadores de opinião. Se, eu não estiver enganado, termos como: ‘atualização da Bíblia’, ‘igreja inclusiva’, ‘ecumenismo’ ou frases como “a fé afrodescendente é uma expressão legítima do cristianismo’, dentre outras, já foram ouvidas e percebidas como estranhas por você. Todas essas situações são fruto da aplicação da Teologia Liberal por parte daqueles que fizeram a sua adesão, logo, você não poderá desprezar o ‘poder’ que as ideias exercem sobre as pessoas que são líderes ou que assumirão essa função no seio da igreja.

Passo a descrever, sucintamente, algumas implicações para a fé cristã advindas da aceitação destas assertivas. Sobre a ‘atualização da Escritura’, se tomado essa perspectiva, a Bíblia perde a sua autoridade, permitindo com que ocorra a relativização de seus ensinos, princípios e valores. Se aceito a noção de ‘igreja inclusiva’, a comunidade deixará de ensinar a respeito do ‘novo nascimento’, arrependimento, confissão de pecado e conversão ao Senhorio de Jesus Cristo (vide João 3.3; 2ª Coríntios 5.17; Provérbios 28.13; 1ª João 1.7,9; Atos 16.31; Romanos 10.9,10).

Se aceito o ecumenismo ou se considerar-se a fé afrodescendente como expressão legítima do cristianismo, passa-se a admitir a igualdade essencial entre todas as propostas de fé religiosa-filosófica, fazendo com que todas as religiões, sem exceção, sejam compreendidas como verdadeiras. Logo, não se trata de algo de menor monta, mas, de grave consequência para a fé cristã e sobre a base em que se assenta o próprio Ocidente

Preciso ainda destacar que para que algo seja visto no mundo da cultura, ele primeiramente foi uma ideia. Logo, o que você e eu hoje vemos no cenário cristão evangélico não nasceu agora, mas, algo que foi pensado, divulgado, introduzido na mente, no sentimento e na vontade humana e, lentamente, tal qual uma semente, hoje vemos o seu fruto. Por isso, conhecer esse tema é imperativo para o pastor, os diáconos, os estudantes de teologia e demais líderes leigos. Lembre-se que são as ideias o movente da história da humanidade, sem querer polemizar, o cristianismo é uma ideia, a diferença é que procede de Deus.

A Teologia Liberal é fruto das diversas transformações políticas, econômicas, sociais, filosóficas, científicas e nas artes, que ocorreram nos dois últimos séculos, movendo os seus mais diversos proponentes a credulidade absoluta na razão, em detrimento da verdade revelada pelo texto bíblico, sua inerrância, imutabilidade e que culminam na segunda metade do século XX, produzindo a negação da inspiração divina da Escritura. Seu mote está na análise crítico-literária do texto bíblico.

Mas, afinal, o que é isso? Simples, os proponentes da Teologia Liberal buscam através da análise filosófica, identificar as limitações e contradições do texto bíblico para que ao cabo, estabeleçam algumas conclusões que, se tomadas pela Igreja Cristã, tendem a demolir a fé; pois, invariavelmente, negam o ensino e a pessoa divino humana de Jesus Cristo, pedra angular da Igreja (vide Mateus 16.16-18; 1ª Coríntios 3.1-11; Efésios 2.20; 1ª Pedro 2.7; Mateus 21.42)1

O objetivo do artigo é introduzir, em linguagem simples, algumas teses da Teologia Liberal; permitindo com que o maior número de pessoas possa conhecer algo sobre o assunto. Destaco que, fazer um recorte possui limitações, mas, é o que me permito para esse momento. Assim, dentre os diversos autores da Teologia Liberal, trago, Rudolf Bultmann (1884-1976) é considerado, por muitos, como um dos mais influentes teólogos do século XX.

Nasceu na Alemanha, sendo filho e neto de pastor luterano. Sabe-se que o seu avô paterno foi missionário na África e o materno foi pastor de tradição pietista. No entanto, seu pai já tinha se aproximado da corrente liberal e introduzido no seio da família a discussão. Seus estudos em Teologia se deram em Tübingen e, por fim, em Marburg. Nessas universidades, ele conheceu o pensamento liberal de Hermann Gunkel, Adolf Von Harnack, Wilhelm Hermann, Johann Weiss e Wilhelm Heitmüller. Foi professor na Universidade de Marburg momento em que compartilhou ideias e discussões com Rudolf Otto, Karl Barth, Friedrich Gogarten e Martín Heidegger. A filosofia de Heidegger foi utilizada para dar conteúdo tornando a sua teologia existencialista

Vejamos três teses defendidas por Rudolf Bultmann e suas implicações para a vida da Igreja Cristã

1ª tese – a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas se faz Palavra de Deus.

IMPLICAÇÃO – A Bíblia não é inspirada pelo Espirito Santo. Logo, não é inerrante, imutável e verdadeira. Ela não transmite ensinamentos, mas atinge a existência do ser humano; ao falar de vida eterna, ela apenas enfatiza o sentido prático de uma vida com significado e sentido voltado para o bem. Dentre outros, o Céu e Inferno são alegorias criadas pela mente humana. Essa implicação viola o testemunho da Escritura sobre a sua inspiração e valor de Palavra de Deus, vide 2ª Timóteo 3.16,17.

2ª tese – a pessoa de Jesus Cristo não guarda relação com a história.

IMPLICAÇÃO – Jesus Cristo não é um ente histórico, trata-se de uma ideia humana que permite ilustrar o valor de uma vida ética. Assim, a pessoa divino-humana de Jesus Cristo é rejeitada; o Cristo do Novo Testamento é essencialmente, em todos os seus característicos sobre-humanos, criação mitológica e deve ser entendido simbolicamente como a realização de uma ideia pela raça humana. O texto bíblico de 1ª João 1.1-9, é enfático em afirmar que em Jesus temos duas naturezas unidas, a humana e a divina. Negar essa condição é apostatar da fé e seguir o espírito do anticristo

3ª tese – o Evangelho é um mito.

IMPLICAÇÃO – O Evangelho é destituído do significado exposto pela Escritura. Não sendo compreendido como o Poder de Deus para a Salvação por meio de Jesus Cristo (vide Atos 4.12; Romanos 1.16,17). Trata-se de uma narrativa inventada para traduzir uma verdade por meio de alegorias, uma lição de moral, como nas fábulas, ou uma imaginação pura, como nas lendas. Por isso, a teologia deve buscar ‘desmitologizar’ o Evangelho, concedendo-lhe uma reinterpretação ajustada ao mundo contemporâneo e sob o prisma científico, eliminando a visão firmada pela Escritura sobre o pecado e seu malefício à humanidade.

CONCLUSÃO A Teologia Liberal defendida por Rudolf Bultmann é um ensino que está alicerçado na crítica literária de matiz filosófica. Destaco três teses, a saber: a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas, se faz Palavra de Deus; a pessoa de Jesus Cristo não guarda relação com a história e o evangelho é um mito. Se aceito essas teses, a fé cristã é reduzida a um conjunto de princípios éticos que, se aplicados, podem favorecer a uma vida pessoal com significado e sentido; no entanto, o ensino bíblico sobre o Juízo Eterno, o Céu e o Inferno, a Segunda Vinda de Cristo, dentre outros, são apenas alegorias; o que importa é viver uma vida digna e fraterna. Vê-se no cenário nacional evangélico pastores, professores de seminários adeptos a essa posição teológica. É preciso ter clareza que ao se esposar essa perspectiva teológica, a igreja cristã decreta a sua morte espiritual; poderá ter sede própria, ter um rol de membros, possuir CNPJ, ter uma estrutura organizacional, mas deixará de ser a Igreja de Cristo.

Pr. Gilberto de Lima Guimarães